domingo, 30 de agosto de 2015

Boa Ventura

Tive o privilégio de assistir, em 28 de julho, na sala Eduardo Hirtz, da Cinemateca Paulo Amorim, em Porto Alegre, ao curta-metragem “Boa Ventura”, adaptação do cineasta Guilherme Castro para a obra “Porteira Fechada”, do escritor gaúcho Cyro Martins, publicada em 1944, e que faz parte da trilogia literária “Gaúcho a pé”, que tem além do Porteira, “Sem Rumo” e “Estrada Nova”.
Guilherme, como já havia feito no primoroso “Terra Prometida”, adaptação da obra do escritor Tailor Diniz (que foi co-roteirista de Castro no Terra), volta ao tema do conflito da terra, da luta de classes, da burguesia exploradora. Sim, não tenho meias palavras para afirmar que o cineasta tem um dom latente em seu trabalho. Filmar com maestria e em um tom poético, silêncios, sons e diálogos, em interpretações que socam nossa cara com a hipocrisia dos “donos de terra” e/ou “urbanos ricos”, diante dos sem terra e/ou retirantes do interior.
“Boa Ventura” é atemporal e tem o grande mérito de refletir nossa história assim como o fez Cyro Martins, que se mantém contemporâneo com os temas que apresenta em sua obra literária.
Guilherme acerta a mão ao relatar a chegada da família Guedes na “casa grande” dos parentes da cidade. Ele coloca o público como cúmplice da forma velada do preconceito dos anfitrões com seus “hóspedes”. Esse preconceito vai se exacerbando até um final emblemático e revelador de uma sociedade materialista e patriarcal. 
Mais de 400 pessoas foram até o lançamento do curta lotando duas sessões e mais um debate, após a segunda exibição.
Gostaria muito de ver o “Boa Ventura”, sendo assistido em festivais, mostras, cineclubes, salas comerciais e cinematecas pelo Brasil e exterior. 
São raros os curtas que tratam com tanta coragem o tema da terra e da luta de classes. Tudo isso somado a um esmero técnico completo de toda a equipe, composta pelo diretor de fotografia, Maurício Borges de Medeiros, montagem do Alfredo Barros, trilha sonora do Hique Gomez, desenho e edição de som do Léo Bracht, direção de arte da Adriana Nascimento Borba, direção de produção da Gina O´Donnell, produção executiva da Graziella Ferst e produção da Aletéia Selonk, da Okna Produções
As interpretações são absolutamente certeiras no filme. Fernando Kike Barbosa, Yonara Karam, Patsy Cecato, Julia Bach, Ana Paula Schneider, Eduardo Cardoso e Eduarda Baches Koche, dão o apelo dramático no tom certo que o enredo necessita. Mérito da direção e do diálogo na construção narrativa com suas atrizes e atores e na produção de elenco da Daniela Silveira.
Não falo mais sobre o “Boa Ventura”, pois gostaria que vocês assistissem assim que puderem. Podemos fazer um bom debate por aqui. O filme é instigante. Assim como foi o debate presencial com o público no final de julho que teve, além do Guilherme, as presenças da Mônica Kanitz(jornalista de cultura e programadora da cinemateca), do Milton Do Prado(montador e professor de cinema) e do Claudio Martins (filho do escritor Cyro Martins e presidente do Centro de Estudos de Literatura e Psicanálise Cyro Martins).
Boa sessão e uma salva de palmas ao “Boa Ventura”. Vida longa para esta obra!


Que horas ela volta?

Regina Casé tira empregadas do papel de figuração em "Que horas ela volta?"

No primoroso filme "Que horas ela volta?", de Anna Muylaert, em cartaz em várias salas pelo Brasil e exterior, temos as lutas de classes, as acomodações econômicas, a hipocrisia das divisões sociais - não ditas, mas extremamente pulsantes - e o novo Brasil sendo apresentado aos que ainda fazem de conta não entender. 
Um filme que flerta com obras pernambucanas. Uma no cinema e outra na literatura. Refiro-me ao excelente longa-metragem "O Som ao Redor", de 2012, dirigido por Kleber Mendonça Filho, e ao clássico "Casa-Grande & Senzala", livro do sociólogo Gilberto Freyre, publicado em 1933. 
"Que horas ela volta?" é uma das principais obras audiovisuais brasileiras lançadas nos últimos anos e, certamente, é motivo de muito orgulho para os amantes do bom cinema e da cinematografia do país. 
Com um roteiro muito bem construído, produção, direção de arte e fotografia envolventes, o filme apresenta interpretações instigantes e no tempo certo. Nem mais, nem menos, ao encontro do que a narrativa necessita. Regina Casé, impacta com sua personagem Val. E é dela a entrevista na ‪#‎TVCarta‬, que compartilho agora.  https://www.youtube.com/watch?v=NB_FZ9mn3YM
Deixo o convite. Assista e reflita com "Que horas ela volta?".